domingo, 16 de julho de 2017

A Selvagem Anita

O nome dela era Ana, mas a chamavam de Anita, e até de Selvagem Anita. Este selvagem aí não era por braba, macha, ou com história de infringências penais. Era porque ela tinha coisas, ou talvez porque não as tivesse. Ela era moreninha, mixuruca. Tinha um quê suburbano e era inculta. Mas era Anita, e era bom estar com ela.


Naquela noite ela se sentou comigo, apesar do Horácio não estar na mesa. E foi logo pegando em mim.
Eu não estava nem afim de coisa, mas estava gostoso, e eu deixei. E nem tinha aquela coisa de estar traindo o Horácio, porque ela era selvagem e não tinha dono e ele sabia disso.
A gente não tinha muito mais do que abobrinha para conversar, mas eu fiquei ali assuntando...
- Se ela tivesse sido Ana Leocádia, e fosse da nobreza romena, não teria sido mais feliz ou assediada.
Mas todo o jeito fiquei pensando em nome tão nobre.
Um barão bicha que conheci disse certa vez que queria ter duas filhas: uma iria se chamar Maria Leopoldina, e a outra Ana Leocádia.
Na hora achei os nomes horrorosos, mas agora, mais bicha ou mais sábio, acho os nomes ao mesmo tempo coloniais e pós-modernos. O fato é que a bicha de verdade terminou tendo dois filhos garanhões e comedores de neguinha e ganharam nomes másculos e correspondentes aos seus metro e noventa e toda aquela nobreza europeia.
- Continuei assuntando, enquanto Anita me pegava, e eu ia tomando aquele absinto tcheco inigualável.
- Inda bem que o impressionismo acabou, mas o absinto não. Porra, o vinho também não, nem a sífilis apesar de toda a penicilina, nem as meias furadas, nem as calcinhas sujas, nem o cabelo no sovaco das francesas, nem a vontade de come-las, nem o arrependimento.
Anita ficava ali me pegando, e eu pensei então que deveria haver um Dicionário Apaixonado dos Nomes Femininos. Lá eu encontraria então todos estes nomes, e até Terência, Assunta, Pafúncia, Eudóxia e outros que eu não tenho a menor ideia, mas que existem e são belíssimos. Rapaz, eu daria todos os meus dinares por um dicionário assim!
Estávamos em 1989, o último ano socialista, e Anita me lembrou:
- O Ditador bondoso tinha decretado o fim dos pecados, e em seu parágrafo único, o sexo como a mais pura forma de socialismo popular.
Anos depois, lembrando-me deste decreto de artigo e parágrafo únicos, vi que foi por isto que o derrubaram e trucidaram à ele, mulher, papagaio, cachorro e tudo que o pudesse lembrar. Agora a Romênia está até entrando na chatíssima Comunidade Europeia de Anões.
- Você quer?
- Quero.
Daí, parou de me pegar, e fomos para meu apartamento cinzento, socialista, popular e ordinário, que nesta noite estaria um pouco mais aquecido, e na manhã seguinte, por breve, com todos os cheiros de Anita, Eudóxia, Leocádia, Assunta e de todas as outras mulheres que por aí carregava.

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