sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Larica dá câncer


Pelos barulhos, ruídos, miados e xingamentos do Horácio, a madrugada foi agitada.
De manhã, quando as coisas pareciam melhores, fui acordado no entanto por um palavrão em especial do meu amigo, que é o pior palavrão que eu conheço.
— Bundicação bundica!
Levantei e sai correndo, pois alguma coisa horrorosa devia estar acontecendo.
De início, não entendi nada. Horácio estava sentado na cama com aquele ser felinento no colo e, ao lado, o seu violão com o braço completamente mastigado.
— Não sei o que foi que houve. Durante a madrugada Cassius começou a miar mais forte e eu o tirei da gaveta, para ver se a crise de ontem tinha melhorado. Mas ele escapou de meu colo e fugiu para a cozinha. Comeu tudo o que tinha na terrina dele, e começou a arranhar a porta da geladeira.
Horácio estava cada vez mais agitado.
— Fiz a besteira de abrir a geladeira e o Cassius pulou lá dentro e atacou um pacote de salsicha zerado. Eu o agarrei e tirei de lá. — Enquanto ele falava olhei para o gato e senti que havia algo de estranho, mas não me dei conta do que era. Horácio continuou. — Como já tinha estragado com as salsichas resolvi dar uma para ele. Comeu feito desesperado e exigiu outra, e mais outra até acabar a embalagem.
Suspirou e suspendeu a cabeça do gato. Só aí é que eu entendi o que estava errado.
— Ele está com um fio de aço na boca!
Horácio abanou a mão.
— Espera que eu te conto. Tirei o Cassius de lá e o tranquei no quarto. Mas com os barulhos terríveis que ele estava fazendo e como parecia que ele estava mexendo no violão, voltei aqui e encontrei este desastre!
Apontei para o gato.
— Mas que fio de aço é este?
— Ele comeu uma corda do violão. E agora vou ter que levá-lo para o veterinário.
— Tudo bem, eu te aguardo…
E o barquinho vai… ou será que é a tardinha que vai?

Desci no Bunda de Fora que é o boteco aqui de baixo, tomei uma média com pão e manteiga, comprei jornal e fui fazer a melhor coisa do dia. Ou melhor, as duas coisas.
Com o início de manhã devidamente resolvido, achei que já podia pensar na praia, mas as coisas não iriam ser assim tão fáceis.
— Karl!
Nossa, lá vem o cara de novo. Será que mataram o Cassius?
Mas não. O felino estava ótimo, já sem fio de aço e aparentemente nenhuma cicatriz ou sequela.
Já o Horácio, era outra estória. O cara estava acabado.
— O que foi, caramba?
— O Cassius está com câncer!
— Como câncer? Ele está bonzinho, olha. 
Será que tiraram o arame pela frente ou por trás? — Decidi que não era hora de perguntar isto para o Horácio. 
— E eu nunca ouvi falar que larica desse câncer…
— Larica?
Ele estava tão abalado, que eu resolvi contar.
— Ele comeu — e neste instante eu resolvi dar uma refrescada — um pouquinho de maconha que eu tinha.
Horácio titubeou, botou o gato no sofá e abriu um envelope que estava trazendo.
— Olha aqui o câncer! — E apontou para uma setinha numa radiografia.



— É, estou vendo que é o Cassius. E com o arame ainda dentro.
Horácio apontou.
— Olha pra setinha. Tá vendo o que ela aponta?
— Hum… — sempre achei radiografia um negócio difícil de entender — o quê? Essa mancha branca aqui?
— É.
Desdenhei da coisa.
— Mas é um nadica de nada.
Horácio insistiu.
— Veja. Bordas pouco definidas, a mancha demonstrando maior densidade do corpo suspeito…
— Porra, você tá falando bonito, hem, Horácio!
Horácio não conseguiu segurar e soltou um riso. Mas logo a cara de desconsolo voltou enquanto contemplava triste o Cassius, que aliás não estava nem aí.
— Um câncer.
— De merda. Não tem nem o tamanho de um arroz. Daqueles miudinhos. Nem de longe um Tio João da vida. Vai ver que nem dá para operar.
Cassius tinha descido do sofá e estava vindo pra cima de mim.
Horácio deu de ombros.
— É. O veterinário disse pra ficar observando.
Cassius se chegou e ficou roçando nas minhas pernas.
 Esse gato nunca foi disso.
Dei um tapinha no ombro do Horácio.
— Vai, esquece. Vai ver que é nada. — Fiz um cafuné no bichano.
Caráio, véio, a situação aqui tá séria pra cacête!

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