quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O gato bolado

Sabe aquele negócio de repente, instantâneo?
Pois é, foi um negócio desses com o Cassius, o gato do Horácio. Foi no batente, no abrir de porta da primeira vez em seu apartamento. O bichano desinfeliz me viu, encrespou as costas e se eriçou todo, manifestando os seus sentimentos.
RISSSSSHHHH!
Não posso lhe tirar a razão, porque odiei aquele monte de pelos alergênicos com dois olhos azuis e malignos, também instantaneamente.
— O nome dele é Cassius.
— Está anotado. E anota você que o único cara no mundo que teria o direito de se chamar Cassius era o Clay, e inda assim ele mudou para Mohamed Ali.
Pois bem entrei, a vida seguiu do jeito que já se sabe, comigo evitando pensar que aquela besta-fera existia, até que um dia o Horácio veio me pedir socorro.
— Ainda bem que você chegou, Karl. Você tem que me ajudar a tirar o Cassius de dentro do armário!
— Hem?
Um miado pungente nos interrompeu, e viramos ambos a cabeça para o quarto.
— Que é que houve? Você estripou ele? — E dei uma casquinada (risadinha baixa e seca, se é que você já não sabe).
Acho que Horácio não gostou, e veio logo com acusações.
— Aposto que foi alguma coisa que você fez com ele.
— Eu? A gente se evita desde o primeiro dia e, pelo menos nisso, o nosso relacionamento tem dado certo.
— Mas ele está parecendo maluco, agarrado literalmente com unhas e dentes às paredes da gaveta e não quer sair de lá de jeito nenhum.
Fomos lá olhar.
— É, parece que ele endoidou mesmo. Será que é convulsão?
— Karl, você nunca viu convulsão não?
Olhei de novo para o felino, em diagonal na gaveta. Estava de barriga para cima e com as unhas firmemente cravadas nas laterais.
RISSSSSHHHH!
Dei um pulo pra trás.
— Chama um exorcista.
Horácio nem respondeu, e eu insisti.
— Chama um padre ou um pai-de-santo, porque isso aí é incorporação, com certeza.
Horácio se afastou um pouco e me olhou em dúvida.
— Sério, o que é que você acha que ele tem?
— Ou é bad trip ou nó nas tripas.
— Porra, será que ele tomou o meu anti-depressivo?
— Sei lá. Por via das dúvidas, fecha a gaveta e deixa ele enlatado até amanhã de manhã.
Dito e feito. Ficou só um miadinho que Horácio resolveu que dava pra aguentar.


Mas, sabe da tal da pulga atrás da orelha? Pois é, fiquei assim.
Fui até o quarto, subi na cadeira e olhei em cima do armário. O saco plástico onde guardava o haxixe estava com um pequeno rasgo. Do lado de fora, uma bolota meio comida. 
Gato filho-da-mãe. Bad trip pra você, garotão. Tomara que a sua viagem seja horrível e você veja muitas ratazanas com três vezes o seu tamanho.
Voltei pra sala. Cassius continuava miando. Olhei para Horácio e sorri solidariamente.
Só quero ver quando vier a larica.


Um comentário:

  1. Caro Karl,
    Obrigado por compartilhar suas desventuras felinas. Quem é que nunca foi caçado por um gato bolado?
    ...
    Ok, ok, ninguém que eu conheça.
    Mas ainda assim a história é boa. Obrigado por compartilhar!

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